Olha a faca!

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Olha o absurdo: você estuda em torno de 16 anos da sua vida para conseguir um diploma de graduação e poder competir no acirrado mercado de trabalho por uma oportunidade de emprego. Você consegue assinar a carteira, rala como um condenado, pega um trânsito infernal, paga caro nas contas de serviços básicos, como água e luz (e ainda assim há vezes em que você não pode contar com estes serviços), paga um imposto de renda altíssimo e ainda se vira pra poder garantir um pouco de conforto e diversão para sua vida. Afinal, você também é filho de Deus e tem direito a isso. É o mínimo!

Daí, um belo dia você está caminhando depois de um dia de trabalho, quando um adolescentezinho cretino vem te assaltar. É um absurdo, né? Você rala pra caramba para poder ter o mínimo, para, de repente, um vagabundo vir e tomar sem dificuldades o que você conseguiu com muito esforço. É revoltante. Mais ainda quando vemos gente como a gente, trabalhadora, que paga seus impostos, ser morta brutalmente a facadas por causa de um celular ou uma bicicleta. Morta por tão pouco…

É realmente um absurdo e devemos nos indignar sim. Ninguém merece passar por isso. Mas sabe o que mais me preocupa? Ver uma cultura de ódio crescer no nosso dia-a-dia, a ponto de considerar a vida humana algo descartável. Isso sim me preocupa. E se isso se instala no nosso ser, não haverá legislação ou punição que mudará nossa natureza.

Há gente que acha um absurdo quando se diz que adolescentes, jovens ou mesmo adultos que cometem crimes como esses que temos testemunhado nos noticiários são chamadas de vítimas. É isso o que acho que elas são. Vítimas. Antes disso: são seres humanos, como eu e você. Mas é muito difícil ver um “elemento desses” como um igual a nós.

São pessoas que trazem no corpo e na alma dores, perdas, exclusões, discriminação, falta de oportunidades. Pessoas que perderam sua dignidade quando o Estado - que é formado por pessoas - virou as costas pra elas, deixando-as sem teto, sem educação, sem saúde, sem comida ou água potável. É muito fácil culpá-las.

Jaime Gold era médico e foi morto brutalmente a facadas quando passeava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Veja o que sua ex-mulher, mãe de seus dois filhos disse sobre os menores que assassinaram seu ex-marido:

“Nem sei se foram menores, mas sei que Jaime foi vítima de vítimas, que são vítimas de vítimas. Enquanto nosso país não priorizar saúde, educação e seguranças, vão ter cada vez mais médicos sendo mortos no cartão postal do país. São gerações de vítimas do nosso sistema. O ser humano caiu no valor banal, onde não existe o menor valor humano. Ele era um médico que salvava vidas, se formou no Hospital Universitário do Fundão. É uma loucura uma pessoa que salva vidas, quaisquer vidas, morrer de uma forma dessas. A questão é saber agora como isso vai afetar a vida dos meus filhos, dois jovens”.

Há quem defenda a redução da maioridade penal. Há quem defenda a pena de morte. Eu pergunto: será que resolverão o problema? Como que o desejo de acabar com a vida de alguém nos torna melhores que essas pessoas, vítimas ou não da sociedade, que tiram a vida de pessoas inocentes?

Há muitas coisas que acontecem no nosso dia-a-dia que vão destruindo nossa sociedade pouco a pouco e só nos escandalizamos quando um ato brutal, como o descrito acima, acontece. Já reparou que não existem mais comerciais voltados para crianças? Trakinas, Batom, Max Steel, Barbie, saíram da grade de programação das TVs. Por consequência, não existe mais programação infantil na rede aberta. Afinal, a TV se mantém com verba publicitária. Se a Estrela não pode mais anunciar, por que uma emissora vai manter uma programação infantil se não há anunciantes para o público infantil? Logo, a criança não tem mais o que assistir na TV, especialmente se ela depender da TV aberta, que não dispõe de programação específica. Aí ela cresce somente com referências adultas. E convenhamos: cada vez piores.

As famílias estão cada vez mais desestruturadas. As pessoas são cada vez mais individualistas e parecem ter muito mais afinidade com seu smartphone do que com qualquer outra pessoa ao seu lado, seja esposa, marido e filhos. Muitas crianças estão sendo educadas pelo Google e pelo Facebook. A religião está cada vez mais obsoleta, ou pelo menos assim é considerada pela mídia ou pelo relativismo contemporâneo. A publicidade e os produtos culturais exaltam cada vez mais uma estilo de vida hedônico, focado em prazeres fúteis e passageiros. Vivemos a ilusão da felicidade. E dessa maneira vamos formando nossas crianças e nossos adultos. Um sistema podre que se retroalimenta de pessoas cada vez mais instáveis, egoístas e violentas. E só acordamos pra realidade quando brutalidades acontecem.

Esses problemas não afetam apenas os pobres. Filhos da classe média ou de classes altas sofrem dos mesmos problemas e as vezes se perdem num mundo esvaído de valores morais. Mas convenhamos: é muito mais difícil pensar num futuro melhor para quem carece de oportunidade ou condições mínimas de cidadania.

Quem são as vítimas nessa história toda? Devemos ter muito cuidado com o rumo que desejamos para o nosso país quando nossas motivações são baseadas no ódio. Afinal, somos todos vítimas. Somos todos humanos. Somos todos filhos de Deus.

Obs: No fim das contas, acabei começando propondo um tema, indo de um problema a outro e não propondo solução nenhuma. Desculpe se pareci pouco conciso. Mas é assim que as coisas são. Não se pode pensar em soluções isoladas para problemas tão complexos que perpassam toda a vida da sociedade. Antes das soluções, precisamos aprender a refletir mais sobre os rumos que queremos de nossas vidas.

Última modificação em Sexta, 22 Mai 2015 21:24
Eugênio Telles

Eugênio Telles

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